Passada uma semana os cegos malvados mandaram recado de que queriam mulheres. Assim, simplesmente, Tragam-nos mulheres. Esta inesperada, ainda que não de todo insólita, exigência causou a indignação que é fácil imaginar, [...]
A resposta foi curta e seca, Se não nos trouxerem mulheres, não comem. Humilhados, os emissários regressaram às camaratas com a ordem, Ou vão lá, ou não nos dão de comer. As mulheres sozinhas, as que não tinham parceiro, ou não o tinham fixo, protestaram imediatamente, não estavam dispostas a pagar a comida dos homens das outras com o que tinham entre as pernas, uma delas teve mesmo o atrevimento de dizer, esquecendo o respeito que devia ao seu sexo, Eu sou muito senhora de lá ir, mas o que ganhar é para mim, e se me apetecer fico a viver com eles, assim tenho cama e mesa garantida. Por estas inequívocas palavras o disse, mas não passou aos actos subsequentes, lembrou-se a tempo do mau bocado que iria ser [...]
chamadas à razão, mas uma das outras, subitamente inspirada, lançou uma nova acha à fogueira quando perguntou, irónicamente, E o que é que vocês fariam se eles, em vez de pedirem mulheres, tivessem pedido homens, o que é que fariam, contem lá para a gente ouvir. [...]
Aqui não há maricas, atreveu-se um homem a protestar, Nem putas, retorquiu a mulher provocadora, e ainda que as haja, pode ser que não estejam dispostas a sê-lo aqui por vocês. Incomodados, os homens encolheram-se, conscientes de que só haveria uma resposta capaz de dar satisfação às vingativas fêmeas, Se eles pedissem homens, nós iríamos, mas nem um deles teve a coragem de pronunciar estas breves, explícitas e desinibidas palavras [...].
José Saramago - Ensaio sobre a cegueira
Nenhum comentário:
Postar um comentário