sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Onde estão esses grandes pensamentos, esses grandes homens de quem se ouve falar?!

[...] é cada vez menor o número de pensamentos a visitar os adolescentes, ano a ano, pois os arvoredos de nossas mentes jazem devastados -- vendidos para alimentar desnecessários fogos de ambição, ou enviados ao moinho, restando um mero galho onde possam pousar. Já não constroem ou criam conosco. Pode ser que em alguma estação mais favorável, talvez uma fraca sombra atravesse a topografia da mente..., montada nas asas de algum pensamento em migração hibernal ou outonal, mas, erguendo o olhar, verificamos nossa impotência para interpretar a substância mesma do pensamento. Transformam-se em aves domésticas os nossos pensamentos alados. Não mais ostentam o vôo do condor e só visam ao esplendor de um Shanghai e uma Cochinchina. Onde estão esses grandes pensamentos, esses grandes homens de quem se ouve falar?!

Thoureau "A Desobediência Civil"

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Poeminha Cá-ótico em Terra de Cego

Todo o país dos homens sem pupila
Banhando-se ao sol desta matina
Sem pressentir perigos
E nem saber que fato, droga, sina,
Ataque ou curva da evolução
Terá lançado todos
Nesta sublimação.
Vez por outra
Ainda nasce, no país,
Um monstro, um aleijado,
Que vê tudo em redor
Como se via no passado.
Mas logo os pais, aflitos,
O levam a um atrologista
Que o devolve à normalidade
De viver sem vista.
Tem um porém, porém;
Nunca ficam totalmente bons,
Os desgraçados.
Quer dizer, nunca vão-vêem de todo
Pois sempre se referem com emoção
(Olhando na memóri?)
A luz-forma-textura-dimensão;
E os cegos de nascença
Que sabem apenas palavras
Pra definir distância e colorido
(Quer dizer, conhecem o ver, de ouvido)
Entram em excitação
E, numa disputa vã,
Contam que também viram
Algo como voando
Em incerta manhã.
Mas, ao falar de vidências, Estão todos, apenas, os despupilados,
Fugindo rebeldia,
Com a faca no escuro
Tentando tirar lascas do tronco da Utopia;
Basta olhar na mansidão opaca
Dos olhos remelentos
Dos poucos que já viram
Ou nos vítreos glóbulos felizes
Da grande maioria
Banhando-se de luz
Na escuridão do mei-dia.

Millör Fernandes

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples

Atirei um limão doce
Na janela de meu bem:
Quando as mulheres não amam,
Que sono as mulheres têm!
(Manuel Bandeira)


Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
(Manuel Bandeira)

domingo, 16 de setembro de 2012

Há de vir uma chuva de amor

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto
Que mesmo em face de maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinicius de Moraes)


Uma chuva de amor
Para afugentar a dor
Desse povo sofredor.
(Exporta samba)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Discordância


Nestas ânsias e dúvidas em que ando
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

(Olavo Bilac)


Dizem que quem cala consente
eu por mim
quando calo dissinto
quando falo
minto.


(Francisco Alvim)



Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Lirismo dos loucos


"Quero antes o lirismo dos loucos, o lirismo dos bêbados, o lirismo difícil e pungente dos bêbedos.. O lirismo dos clowns de Shakespeare. Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."
Manuel Bandeira




Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Álvares de Azevedo